Bandido bom é bandido morto? O que a história de “Dimas” nos ensina

Bandido bom é bandido morto? O que a história de “Dimas” nos ensinaHoje, mais uma vez, quero lançar mão da tradição católica para ilustrar uma verdade das Escrituras Sagradas. Nesta terça-feira (25), os católicos apostólicos romanos celebram o Dia de São Dimas. Mas quem era esse Dimas?

Esse nome não é citado em nenhum dos 66 livros canônicos que compõem a Bíblia Sagrada, nem mesmo nos outros 7 livros deuterocanônicos que se somam na versão católica. De onde, então, vem esse nome?

O mais antigo registro de que se tem conhecimento do nome Dimas está no Evangelho de Nicodemus, um livro apócrifo datado do século V que narra os episódios da crucificação e da ressurreição de Jesus.

Nas passagens que descrevem a crucificação de Jesus presentes dos quatro evangelhos da Bíblia Sagrada, todas elas mencionam que o Senhor foi crucificado entre dois “ladrões” ou “malfeitores” (somente João não usa termo semelhante). Mateus, Marcos e João se atêm a nos informar somente isso sobre aquelas duas pessoas.

Porém Lucas, que tem dentre os objetivos de seu Evangelho nos mostrar que a salvação de Jesus é disponível para todos – independentemente de raça, gênero, situação social ou qualquer outro fator (Lc 19.10) – descreve com maiores detalhes essa história.

Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra Jesus, dizendo: — Você não é o Cristo? Salve a si mesmo e a nós também. Porém o outro malfeitor o repreendeu, dizendo: — Você nem ao menos teme a Deus, estando sob igual sentença? A nossa punição é justa, porque estamos recebendo o castigo que os nossos atos merecem; mas este não fez mal nenhum. E acrescentou: — Jesus, lembre-se de mim quando você vier no seu Reino. Jesus lhe respondeu: — Em verdade lhe digo que hoje você estará comigo no paraíso” (Lucas 23.39-43).

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Livro apócrifo do Evangelho de Nicodemus, onde Dimas aparece como nome do ladrão arrependido (publicado pela Editora Paulus)

Pois bem. Segundo o apócrifo Evangelho de Nicodemus o nome do ladrão blasfemador é Gestas. Já o nome do ladrão arrependido é Dimas. Eis parte do relato do texto apócrifo:

Então Pilatos pegou água e lavou suas mãos, de frente para o sol, dizendo: “Sou inocente do sangue deste justo; vós vereis”. E novamente os judeus começaram a gritar: “Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos”. Então Pilatos mandou que fosse corrido o véu do tribunal onde estava sentado e disse a Jesus: “Teu povo desmentiu-te como rei. Por isso decretei que em primeiro lugar sejas flagelado, de acordo com o antigo costume dos reis piedosos, e que depois sejas dependurado na crus no horto onde foste aprisionado. E Dimas e Gestas, ambos malfeitores, serão crucificados juntamente contigo”. (…)

E um daqueles ladrões que haviam sido dependurado disse-lhe assim: “Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós”. Mas Dimas, em resposta, repreendeu-o dizendo: “Tu não temes a Deus, ainda que estejas na mesma condenação? E a nós, certamente, ela no cabe bem, pois recebemos a recompensa justa pelas nossas obras; mas este não fez nada de mal”. E dizia: “Senhor, lembra-te de mim no teu reino”. E Jesus disse-lhe: “Em verdade, em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”.”

O privilégio de “Dimas”

Dimas, portanto, é o ladrão arrependido que reconheceu Jesus como o Messias antes de sua morte, crendo nele para a sua salvação e recebendo a aprovação do Senhor por sua fé verdadeira.

Curioso que é que Dimas faz parte de um seleto grupo de personagens bíblicos que são alvos dessa extraordinária bênção de ouvir da boca do próprio Salvador o seu “atestado de salvação” – o outro caso emblemático é de Zaqueu, também em Lucas (19.1-9).

O que pode nos levar a questionar… Por que logo um ladrão tem esse privilégio?

Como mencionamos, um dos grandes objetivos de Lucas em seu Evangelho é mostrar que a salvação de Jesus está disponível universalmente, independente de qualquer diferenciação humana que façamos uns dos outros.

A importância de Lucas ter desenvolvido mais esse tema (do Evangelho disponível para todos) do que os outros evangelistas, assim como de ter demonstrado a importância das mulheres para o ministério de Cristo (Lc 8.1-3; Lc 24.1-12), o cuidado de Jesus para com as crianças, para com os deficientes e leprosos e também para com o publicano – todos esses grupos preteridos na época de Jesus – foi fundamental para a mentalidade exclusivista e até discriminatória dos judeus da época, que ansiavam por uma espécie de messias nacionalista e legalista, um vingador meritocrata e não um salvador gracioso.

Então, por que a um ladrão arrependido é estendida essa graça?

Talvez para demonstrar que até mesmo para aquela pessoa que é considerada o pior transgressor da sociedade, que é alvo das piores condenações vindas dos homens… até para essa pessoa há esperança em Cristo Jesus. Diante de Deus, todos nós estamos na mesma condição: somos pecadores destinados ao inferno, a não ser que, pela fé creiamos no sacrifício de Jesus para o perdão de nossos pecados, e pela graça de Deus recebamos o perdão e a justificação dEle em Cristo Jesus.

Isso estraçalha em nós todo o orgulho e mérito de querer ser aceito por praticar as obras da lei, conforme o relato do próprio Lucas, no qual Jesus conta a parábola do fariseu e do publicano em Lucas 18.9-14.

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O fariseu e o publicano

E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, a orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado(Lucas 18.914).

O ensino de Jesus endossa o que a Bíblia repetidamente diz: “Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes” (Tg 4:6; 1 Pe 5:5).

Até mesmo porque a Palavra de Deus é clara ao afirmar que a salvação em Cristo Jesus é baseada unicamente na graça de Deus, mediante a fé (e não mediante às obras) na pessoa em Cristo Jesus. “Porque pela graça vocês são salvos, mediante a fé; e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8-9).

A graça de Jesus

Então a salvação de Dimas, o ladrão arrependido, precisa nos lembrar do amor e da graciosidade de Jesus Cristo em perdoar a todo aquele que se arrepende e nEle crê verdadeiramente. As boas obras acompanharão quem creu como uma evidência de sua regeneração – e não como causa, como versam algumas doutrinas. “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2.10).

Aquele que roubava não roube mais; pelo contrário, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o necessitado”, diz Paulo em Efésios 4.28, exortando aqueles que um dia transgrediram, como Dimas, a viver a nova vida em santidade ao Senhor.

Você conhece alguém que, assim como Dimas, vivia uma vida de transgressões, mas teve um encontro com Jesus e teve sua vida transformada? Eu conheço muitas pessoas. E as igrejas também estão cheias dessas pessoas.

Por isso, posso afirmar como toda a certeza que aquela frase que nos últimos anos se tornou muito popular no Brasil, que “bandido bom é bandido morto”, é uma falácia e uma mentira, principalmente se proferida por cristãos.

Se olharmos para a Bíblia, e para a vida de “Dimas”, descrita no Evangelho de Lucas, o único homem em toda a história que teve o privilégio de ouvir da boca do próprio Rei do Universo que estaria com Ele no Paraíso, veremos que, verdadeiramente, “‘bandido’ bom, é ‘bandido’ convertido, regenerado”.

Porque um coração quebrantado, contrito e verdadeiramente arrependido, Deus não desprezará (Salmos 51.17). E todo aquele que vem a Jesus, ele jamais lançará fora (João 6.37).

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