Não adianta chorar a posse de Trump

A posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos pela segunda vez dominou a internet e a pauta da imprensa, na semana que passou, e ainda continua rendendo análises das mais diversas: os impactos desse novo governo na agenda política brasileira; as consequências para as nossas relações bilaterais; deportações de estrangeiros ilegais em massa; a muralha que será erguida para isolar o vizinho México; o ambiente digital sem freio; a liberação indiscriminada de armas no país; as restrições comerciais a países como China e Rússia; a declaração de que o país norte-americano não depende do Brasil. Quanto mais ruidosas as decisões de Trump, mais assustam a plateia canarinha.

Não adianta chorar a posse de Trump

A imprensa e parte considerável da população brasileiras julgam e, ato contínuo, condenam Trump. Talvez não tenham se perguntado se os americanos comungam da mesma opinião –totalmente dispensável para eles,

É verdade. Ao que parece, não, a maioria dos norte-americanos não acha tão ruim a postura do novo presidente, afinal, o elegeu, com maioria absoluta dos votos, mesmo tendo sido ele condenado por comprar o silêncio de uma ex-atriz pornô e de quase ir parar na prisão.

Sufrágio popular com características semelhantes se deu no Brasil. Em 2018, Jair Bolsonaro ganhou a eleição apesar de suas pautas indigestas para uma parcela da sociedade; a maioria venceu. Mais recentemente, e pela terceira vez, os brasileiros deram a vitória a Lula, embora este tenha passado 580 dias na prisão.

O retorno de Trump canaliza os anseios daqueles que o elegeram, e que pagam impostos tanto quanto os americanos que escolheram Kamala Harris. Independentemente das simpatias e antipatias que se possa ter em relação ao presidente dos EUA ou a qualquer outro eleito por qualquer nação, a democracia não é instrumento que pode ser relativizado. A eleição de um chefe de Estado é a expressão do desejo da maioria.

O retorno de Trump é, também, um recado de parte do eleitorado americano à burocracia do Estado, às políticas de segurança e imigração e uma ode ao conservadorismo. E que mal há nisso? Para quem pensa diferente, é um acinte; para quem pensa igual, um maná. A direita brasileira, por outro lado, se viu inconformada — um eufemismo para “raivosa” — com a eleição de Lula em 2022. “Ladrão” foi o adjetivo mais simpático utilizado por quem discordou da escolha da maioria, enquanto os eleitores do petista aplaudiam o “pai dos pobres” ou, no limite, a ala mais centrista comemorava a não continuidade do capitão.

Vivemos um tempo em que o ‘simbólico’ é tão importante quanto o ‘concreto’: as pessoas querem ouvir, acreditar, mas desejam que tudo seja feito de forma pulsante, urgente, por perfis de muita coragem, força e com disposição. Por isso Trump se apressou em assinar uma série de decretos (e revogar tantos outros de seu antecessor) no primeiro dia de seu novo governo; não com uma caneta, e sim com um pincel de tinta preta. Emitiu sinais não só de poder e personalidade, mas de que cumprirá com os compromissos que assumiu na campanha. O presidente norte-americano está fazendo é alimentar e sustentar a imagem que ele mesmo criou.

Trump, de deus ao diabo, do céu ao inferno: tudo é uma questão de ponto de vista, meu caro leitor e minha cara leitora. Dia desses, li um pensamento que faz todo o sentido e pode ser até reconfortante em momentos difíceis. O dia de chuva é ruim para quem aluga guarda-sol na praia, mas excelente para quem vende guarda-chuva; o frio é ótimo para o empresário das lojas de cobertor, mas péssimo para as empresas que fabricam ar-condicionado. Essa é a vida real, com dias bons e ruins para um e outro. Não se pode ganhar sempre. Assim é, também, na democracia.

E se Trump transformar os EUA em um mercado muito ruim para o Brasil, se as importações ficarem mais caras e se as idas dos brasileiros à Disney forem comprometidas? Paciência, a escolha não é nossa, sequer passou pelo nosso direito de decidir. É uma escolha dos norte-americanos, e eles viverão com as consequências dela. Conforme-se!

O Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, que terminou na última sexta, 24, mostrou um Trump muito amado pelos empresários do mundo todo e um Brasil muito esquecido lá fora. É com isto que devemos nos preocupar. Devemos nos ocupar de tentar mudar aquilo que controlamos, e o que está ao nosso alcance é a escolha dos nossos representantes aqui neste território.

Está desapontado com a notícia? Pois ela é o que é. Nós não controlamos absolutamente nada na política externa. O que cabe a nós como nação é tentar estabelecer pontes diplomáticas com as escolhas que os outros fizerem. E vice-versa. Sinto que também posso ter desapontado uma parte dos leitores que esperavam que este jornalista seguisse a manada e criticasse a escolha da democracia norte-americana. Quem sou eu? Um brasileiro. Os americanos devem saber o que é melhor para eles. E se você for capaz de ler estas linhas sem paixão, vai entender o real propósito delas.

Em tempo: este não é um texto de apoio a Donald Trump. É um endosso à livre escolha, base de qualquer democracia que se preze, cuja vontade da maioria prevalece. Há a Venezuela, mas ali não tem conversa, e sem diálogo o que há é imposição. E imposição é ditadura.

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