Itamaraty cobra explicações da embaixada americana para o tratamento dispensado a brasileiros deportados dos EUA


Na sexta-feira (24), um avião fretado pelo governo americano trouxe 88 brasileiros – entre homens, mulheres e crianças. Segundo a PF, ao menos 50 brasileiros precisaram de atendimento médico. Itamaraty cobra explicações para o tratamento dado a brasileiros deportados dos EUA
O tratamento dado a imigrantes ilegais brasileiros durante voos de deportação para o Brasil levou o Itamaraty a convocar o atual encarregado da embaixada americana a dar explicações.
O primeiro compromisso do presidente Lula nesta segunda-feira (27) foi a reunião com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Por mais de uma hora, conversaram principalmente sobre o uso das algemas e correntes em imigrantes ilegais brasileiros deportados dos Estados Unidos.
Na sexta-feira (24), um avião fretado pelo governo americano trouxe 88 brasileiros – entre homens, mulheres e crianças. O destino final seria Belo Horizonte, mas o avião fez uma escala para abastecer, por volta das 18h, em Manaus. Segundo a Polícia Federal, os brasileiros se revoltaram com a tripulação por causa do calor. O ar-condicionado não estava funcionando.
Em entrevista ao programa Estúdio i, da GloboNews, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, João Paulo Garrido Pimentel, explicou como foi a ação da polícia.
“Ao chegar na aeronave, foi detectada uma situação de desespero e pavor por parte dos repatriados brasileiros. A primeira providência da equipe da Polícia Federal foi gerenciar a crise e fazer o atendimento das pessoas idosas e das crianças. Já havia passageiros brasileiros repatriados na asa da aeronave, o que causava risco à integridade deles. Então, a primeira providência foi estabilizar a situação e, tão logo estabilizada, imediatamente foi providenciada a retirada das algemas dos brasileiros já repatriados nesse caso em solo brasileiro”, diz João Paulo Garrido Pimentel, superintendente da PF no Amazonas.
Segundo a PF, ao menos 50 brasileiros precisaram de atendimento médico. Os policiais tomaram depoimentos e recolheram imagens das câmeras de segurança do aeroporto. Brasileiros deportados disseram ter sofrido agressões dos agentes americanos durante o voo e sem direito nem a comida.
“Quase morremos sufocados, porque não tinha ar-condicionado. Todo mundo começou a passar mal”, conta o instalador de pisos Wendel Lourenço.
Itamaraty cobra explicações da embaixada americana para o tratamento dispensado a brasileiros deportados dos EUA
Jornal Nacional/ Reprodução
Os brasileiros desceram do avião algemados e acorrentados. Segundo a Polícia Federal, o uso de algemas e correntes é praxe no embarque dos deportados em solo americano. Imagens do serviço de imigração dos Estados Unidos mostram imigrantes ilegais de outros países sendo deportados nessa condição, exceto mulheres e crianças.
Mas o desembarque em solo brasileiro ainda nestas condições motivou críticas do Itamaraty, que afirmou em nota:
“O uso indiscriminado de algemas e correntes viola os termos de acordo com os Estados Unidos, que prevê o tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados. O governo brasileiro considera inaceitável que as condições acordadas com o governo norte-americano não sejam respeitadas e que vai encaminhar pedido de esclarecimento ao governo norte-americano”.
De Manaus, o grupo de brasileiros deportados seguiu para Belo Horizonte em um avião da Força Aérea Brasileira – já sem as algemas.
Segundo o Itamaraty, em 2021, Brasil e Estados Unidos discutiram a questão das algemas em deportações. O Brasil defendeu o uso apenas em casos excepcionais, como quando o deportado tivesse condenação criminal ou representasse ameaça à segurança de passageiros e tripulação durante o voo. Mas, segundo o Itamaraty, os dois países não chegaram a assinar um acordo.
Deportação de brasileiros pelos Estados Unidos
Jornal Nacional/ Reprodução
O gráfico mostra o número de brasileiros deportados de 2020 para cá. Em 2024, ainda sob o governo do democrata Joe Biden, mais de 1,6 mil brasileiros que estavam ilegalmente nos Estados Unidos foram deportados em 16 voos, de acordo com a PF. É o maior número desde 2021. Os dados não incluem inadmitidos em aeroportos americanos, que retornaram em voos comerciais.
Segundo o Itamaraty, esse voo de sexta-feira (24) foi o primeiro com registro de distúrbios e ainda fazia parte de planejamento do governo Joe Biden. Mas coincidiu com a primeira semana do novo governo Trump. Por isso mesmo, a diplomacia brasileira decidiu não responsabilizar nem um nem outro, mas se manifestar contra o tratamento dado aos brasileiros.
Por ordem do presidente Lula, a Secretaria de Assuntos Consulares do Itamaraty chamou o encarregado de negócios, Gabriel Escobar, que está respondendo pela embaixada americana na ausência de um embaixador. A reunião foi nesta segunda-feira (27), e de acordo com o ministério, o foco da conversa foi resolver o problema desse voo.
Em um evento com empresários, em São Paulo, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, falou sobre o episódio:
“Nós tivemos uma reação muito sóbria. Não queremos provocar o governo americano, até porque essa deportação está prevista em um tratado que já vige há vários anos entre o Brasil e os Estados Unidos, que autoriza a deportação. Mas, obviamente, essa deportação tem que ser feita com respeito aos direitos fundamentais das pessoas, sobretudo daqueles que não são criminosos”.
A Polícia Federal informou que abriu investigação para esclarecer o tratamento dado aos brasileiros deportados. As primeiras informações foram repassadas ao governo. Essa apuração ainda deve prosseguir por pelo menos 30 dias.
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