Sejus burla decisão do Ministério Público de Contas e nomeia desqualificados como diretores adjuntos

A Secretaria de Justiça do Espírito Santo (Sejus-ES) gerou controvérsia ao exonerar sete diretores desqualificados de seus cargos e nomeá-los como Diretores Adjuntos de unidades prisionais, desafiando uma recomendação do Ministério Público de Contas (MPC-ES).

A decisão, divulgada no Diário Oficial do Estado nesta terça-feira (01), ocorre após uma investigação do Jornal ES Hoje revelar a falta de qualificação dos diretores para os cargos, contrariando o art. 75, inciso I, da Lei de Execução Penal (LEP), que diz que para ocupar esse cargo o profissional precisar ter diploma de nível superior em Direito, Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia ou Serviço Social.

São todas formações da área de humanas, que conferem ao graduado sensibilidade e humanidade ao lidar com pessoas em vulnerabilidade, além de um profundo conhecimento social e ético, necessários para se comandar uma unidade prisional, cujo público é majoritariamente composto por pessoas hipossuficientes e desde a infância relegadas pelo Estado.

Sejus burla decisão do Ministério Público de Contas e nomeia desqualificados como diretores adjuntosES Hoje apontou, porém, que os seguintes diretores foram nomeados de maneira ilegal: Carlos Ely Elton Silva (PSME-I), Flaviano Ribeiro Rosa (PSMECOL), Jairo Greenhalgh Filho (PEVV-I), Mikeli Patta Catein (CPFCI), Rodrigo Lordeiro de Lima (PEVV-V), Thiago Buzetti Zardini (PEVV-III) e Wagner Fischer Sarmento (CDPV-II). De acordo com o Portal da Transparência, nenhum deles possui o requisito acadêmico para ocupação do cargo.

O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) havia recomendado, no dia 17 de março deste ano, que o secretário de Justiça do ES, Rafael Rodrigo Pacheco Salaroli, substituísse esses profissionais em um prazo de 30 dias. A Sejus decidiu realocar os mesmos profissionais para a função de Diretores Adjuntos, função essa que, na prática, exerce as mesmas funções de diretor.

No sistema prisional capixaba, Diretores Adjuntos muitas vezes decidem mais que o próprio diretor, assumindo responsabilidades extras, a fim de demonstrar sua capacidade de liderança e assim conquistar a chance de se tornar um diretor. Os diretores muitas vezes se aproveitam disso para terceirizar para seus adjuntos suas próprias responsabilidades.

Diretores adjuntos têm função de diretoria

A Sejus não possui uma portaria ou normativa semelhante própria para estabelecer as atribuições de diretores e diretores adjuntos. O que há são leis e portarias esparsas que trazem em si algumas noções do que cada um faz. Na prática, diretores adjuntos fazem tudo o que um diretor faz, especialmente quando este está afastado por licença médica, de folga ou de férias.

Uma prova de que diretor-adjunto é um pleno diretor é o fato existir a função de assistente de direção, cuja criação que na época foi feita justamente para que ele fosse um assessor do diretor, tal como um juiz de direito possui assessores. Porém, na prática, o ocupante do cargo de assistente de direção também atua como diretor no âmbito das unidades prisionais capixabas.

O artigo 6º da Lei Complementar Nº 85, de 10 de dezembro de 1996, ainda em vigor, revela que diretores adjuntos fazem atividades típicas de diretor, cargo conhecido na época como ‘diretor-geral’: “Compete ao Diretor Adjunto o planejamento, a orientação e a coordenação da execução dos programas, projetos e atividades da penitenciária; o assessoramento ao Diretor-Geral e as demais unidades administrativas, bem como a substituição do Diretor-Geral em suas faltas e impedimentos”.

Na prática, o diretor-adjunto é um diretor de unidade prisional. Ele faz o que o diretor faz, e na ausência deste é o adjunto que assina. Se um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é assinado por diretor-adjunto desqualificado, sua eficácia se torna nula. O advogado do preso que sofreu um PAD assinado por gestor desqualificado pode suscitar a nulidade do ato. Para efeitos de comparação, seria como se nomeassem dois delegados para uma delegacia: um como delegado titular e outro como delegado-adjunto, mas este último não possuindo curso de Direito (qualificação indispensável para o cargo de delegado, seja titular, seja adjunto). O delegado adjunto substitui o delegado titular na ausência deste e, mesmo na presença dele, toma decisões autônomas.

Em jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), em sede de ação cível pública para impedir a ocupação do cargo de diretor (chamado lá de “gerente de unidade prisional”) no presídio de Tijucas, deixa-se claro que, se um servidor ocupa função de gestão ou administração de unidade prisional, ele deve atender aos requisitos da LEP, independentemente da nomenclatura do cargo que ocupe:

“A Lei Federal n. 7.210/84 ( LEP) dispõe que o Diretor de Estabelecimento deve ser portador de diploma de nível superior em Direito, Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia ou Serviços Sociais, o que se constitui em uma norma de natureza geral. (…) A admissão de servidor com formação escolar de nível médio, como no caso, para o exercício das funções de gerente de estabelecimento penal, infringe a regra de competência constitucional. Ademais, na prática, a nomenclatura do cargo é irrelevante, pois os cargos públicos devem ser considerados por suas atribuições e competências e não pelo nome que recebem. O que importa são as efetivas atribuições desempenhadas pelo servidor, independentemente do nome que se queira dar ao cargo por ele ocupado, de ‘diretor’ ou ‘gerente’, desde que atue como um gestor ou administrador da unidade prisional, exige-se a formação de nível superior”.

No estado do Rio Grande do Sul, igualmente, diretores de unidade prisional foram nomeados sem possuírem as qualificações acadêmicas exigidas para o cargo. Lá, porém, eles foram além, usando o artigo 7° da Lei Estadual n° 9.228/91, o qual contraria o artigo 75, inciso I, da LEP ao estabelecer que o “Administrador-Geral” (diretor) de presídio pode ocupar o cargo tendo apenas o ensino médio. Além desses dois estados, existem jurisprudências no Brasil inteiro determinando que não importa a nomenclatura do cargo, e sim as funções exercidas efetivamente por seu ocupante na gestão de unidade prisional.

Contornando decisão

A manobra do Secretário de Justiça, Rafael Pacheco, soa como uma tentativa clara de contornar a recomendação do MPC-ES  mantendo os gestores desqualificados nas mesmas unidades, com igual influência e poder decisório, mas sob outro título. Se tribunais em todo o Brasil já decidiram que o que importa é a função exercida e não a nomenclatura do cargo, esse precedente pode ser usado como argumento para questionar judicialmente a nomeação desses servidores como diretores adjuntos.

O art. 75 da Lei de Execução Penal (LEP) exige formação acadêmica específica para a função de diretor de unidade prisional, e isso se dá justamente para garantir que a gestão seja feita por profissionais qualificados. Se a Sejus nomeou como diretores adjuntos as mesmas pessoas sem formação adequada, mas com responsabilidades semelhantes e poder equiparado, há um forte indício de burla à exigência legal, podendo inclusive ser vislumbrada má-fé por parte de quem fez as nomeações.

Caso os órgãos de fiscalização ou o Ministério Público entendam que essa prática fere a moralidade administrativa, além dos princípios da legalidade e da eficiência, podem adotar novas medidas, como uma ação civil pública ou um pedido judicial para a anulação das nomeações.

Sejus burla decisão do Ministério Público de Contas e nomeia desqualificados como diretores adjuntosA nomeação de profissionais sem a qualificação técnica adequada pode comprometer não apenas a administração penitenciária, mas também a segurança das unidades prisionais e a efetividade das políticas de ressocialização. O procurador-geral de Contas do MPC-ES, Luciano Vieira, destacou os riscos dessa situação: “A manutenção de servidores sem a qualificação exigida pela legislação fragiliza a administração penitenciária e coloca em risco a segurança institucional dos estabelecimentos penais”.

Vieira ressalta que a permanência de diretores desqualificados vai contra o artigo 37 da Constituição Federal, que orienta que a Administração Pública deve observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
“Manter em cargos de direção de pessoas que não atendem aos requisitos legais vai de encontro a esses princípios, especialmente o da legalidade e eficiência, que são pilares da boa administração pública. A jurisprudência é pacífica ao afirmar que o cumprimento de decisão judicial é imperativo para garantir a segurança jurídica e a efetividade do direito. A ausência de cumprimento espontâneo, especialmente após um lapso temporal tão extenso, demonstra a necessidade de intervenção judicial para garantir a execução do julgado”, explica.

Sejus burla decisão do Ministério Público de Contas e nomeia desqualificados como diretores adjuntosO secretário de Justiça, Rafael Pacheco, em resposta ao questionamento do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), argumenta garantindo a competência dos diretores. “Reforço que todos os diretores em questão já exercem suas funções, foram escolhidos por sua competência e por apresentarem os requisitos imprescindíveis ao exercício do cargo, o que pode ser comprovado pela análise de suas atuações, que têm gerado resultados satisfatórios para a administração penitenciária”, afirma.

Sejus burla decisão do Ministério Público de Contas e nomeia desqualificados como diretores adjuntos ES Hoje, porém, revelou em matérias anteriores inúmeros problemas nas unidades prisionais comandadas por diretores desqualificados, colocando em risco os servidores do sistema prisional, os presos e toda a sociedade capixaba. A última foi a morte do interno Wanderson Rodrigues de Souza no último dia 30 de março, domingo, no Centro de Detenção Provisória de Vila Velha (CDPVV), unidade comandada por diretor desqualificado para a função e nomeado hoje como diretor-adjunto.

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