O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES), em 17 de março de 2025, recomendou que o secretário de Justiça do ES, Rafael Rodrigo Pacheco Salaroli, substitua, no prazo de 30 dias, os 7 policiais penais que ocupam cargos de diretores de unidades prisionais sem atender à qualificação exigida pelo artigo 75 da Lei de Execução Penal (LEP).
A medida surge após uma investigação do Jornal ES Hoje, que identificou que ao menos sete diretores de unidades prisionais foram nomeados de maneira ilegal: Carlos Ely Elton Silva (PSME-I), Flaviano Ribeiro Rosa (PSMECOL), Jairo Greenhalgh Filho (PEVV-I), Mikeli Patta Catein (CPFCI), Rodrigo Lordeiro de Lima (PEVV-V), Thiago Buzetti Zardini (PEVV-III) e Wagner Fischer Sarmento (CDPV-II).
De acordo com o Portal da Transparência, nenhum deles possui diploma em Direito, Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia ou Serviço Social, cursos exigidos pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) para ocupação do cargo.
A nomeação de profissionais sem a qualificação técnica adequada pode comprometer não apenas a administração penitenciária, mas também a segurança das unidades prisionais e a efetividade das políticas de ressocialização.
O procurador-geral de Contas do MPC-ES, Luciano Vieira, destacou os riscos dessa situação: “A manutenção de servidores sem a qualificação exigida pela legislação fragiliza a administração penitenciária e coloca em risco a segurança institucional dos estabelecimentos penais”.
Vieira ressalta que a manutenção de diretores desqualificados vai contra o artigo 37 da Constituição Federal que orienta que a Administração Pública deve observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
“Manter pessoas em cargos de direção que não atendem aos requisitos legais vai de encontro a esses princípios, especialmente o da legalidade e eficiência, que são pilares da boa administração pública. A jurisprudência é pacífica ao afirmar que o cumprimento de decisão judicial é imperativo para garantir a segurança jurídica e a efetividade do direito. A ausência de cumprimento espontâneo, especialmente após um lapso temporal tão extenso, demonstra a necessidade de intervenção judicial para garantir a execução do julgado”, explica.
O secretário de Justiça, Rafael Pacheco, em resposta ao questionamento do MPC-ES argumenta garantindo a competência dos diretores. “Reforço que todos os diretores em questão já exercem suas funções, foram escolhidos por sua competência e por apresentarem os requisitos imprescindíveis ao exercício do cargo, o que pode ser comprovado pela análise de suas atuações, que têm gerado resultados satisfatórios para a administração penitenciária”, afirma.
ES Hoje, porém, revelou inúmeros problemas nas unidades prisionais comandadas por diretores desqualificados, colocando em risco os servidores do sistema prisional, os presos e toda a sociedade capixaba. Como exemplo, a fuga de dez detentos do Centro de Detenção Provisória de Viana II (CDPV II) no mês passado. A unidade é administrada pelo Diretor Wagner Fischer Sarmento, Policial Penal conhecido como “Gigante”.
Gigante, em 2018, foi flagrado agredindo um detento que estava algemado com as mãos para trás. Ironicamente, na época desse fato o policial era membro do Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo. Além disso, foi processado em 2013 por maus-tratos no âmbito de unidade prisional (artigo 136 do Código Penal), conforme dados do Tribunal de Justiça (TJES).
Nos últimos 2 meses ES Hoje tem noticiado uma série de irregularidades nas unidades comandadas por diretores desqualificados para o cargo, como a operacionalização de aparelhos bodyscan por profissionais sem treinamento para tal, além de conduções coercitivas de familiares de presos para a realização de exames ginecológicos, dentre outras falhas.
Outro exemplo alarmante é o de Carlos Ely Elton Silva, atual diretor da Penitenciária de Segurança Média 1 (PSME-I), formado em Marketing, curso totalmente diferente das 5 áreas exigidas pela LEP e sem qualquer relação com o sistema prisional. Ely era diretor na Penitenciária Estadual de Vila Velha 1 (PEVV-I), onde, em dezembro de 2021, ocorreu a maior fuga das últimas décadas no sistema prisional capixaba, quando 21 detentos escaparam da unidade, dentre os quais Eduardo Bonfim Meireles, principal suspeito pela morte a tiros de dois policiais militares durante uma perseguição policial ocorrida alguns meses após a fuga.
A existência de diretores desqualificados para a função afeta diretamente os direitos dos apenados. De acordo com a Teoria da Invalidade dos Atos Administrativos, atos praticados por agentes que não possuem competência legal para tal podem ser considerados nulos (Súmula 473 do STF).
Assim sendo, toda decisão administrativa (como Processos Administrativos Disciplinares) tomada contra presos por diretor de unidade prisional inapto para o cargo pode ser considerada nula.
O Secretário de Justiça Rafael Pacheco, no entanto, afirma que retirar os diretores desqualificados de sua função implicaria em prejuízos à ‘segurança pública’ e que seria difícil encontrar servidor com os requisitos exigidos pela Lei de Execução Penal. Porém, nos quadros da Polícia Penal há cerca de 1800 policiais penais no Estado do Espírito Santo (desconsiderando-os do último concurso), sendo grande parte deles com nível superior e com experiência de gestão prisional.
Em resposta ao relatório da ouvidoria Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) e encaminhada ao Ministério Público de Contas (MPC-ES), Pacheco decide ir contra a Constituição Federal e o princípio da legalidade e da moralidade, insistindo em manter no cargo os 7 diretores mesmo eles sendo desqualificados para a função.
“Por tudo quanto exposto, a manutenção dos diretores em questão encontra respaldo nos princípios constitucionais e na realidade operacional do sistema prisional. A Administração Pública deve priorizar a eficiência e a continuidade dos serviços, em razão de seu adequado funcionamento e da inexistência de atos considerados ilegítimos ou irregulares. Propugno, portanto, pela manutenção dos diretores nos respectivos cargos, considerando a legitimidade dos atos, a competência e os resultados que vêm sendo apresentados”, defende Pacheco.
Pacheco avalia LEP como ultrapassada
O Secretário, para justificar o descumprimento da Lei de Execução Penal, ainda alega que a legislação federal está ultrapassada, decidindo ele próprio qual legislação seguir ou não. Ele ainda demonstra desconhecimento jurídico ao afirmar que o Estado do Espírito Santo descumpre o parágrafo único do artigo 75 da LEP, que exige que os diretores residam na unidade prisional ou nas proximidades dela. Segundo Pacheco, essa exigência também está “igualmente ultrapassada” e em “desuso”. Porém, a LEP em momento algum define o que seriam e quanto seriam essas “proximidades”, caracterizando uma lacuna legislativa.
A decisão do MPC-ES, porém, levanta questionamentos sobre os critérios de nomeação adotados pela Sejus e os possíveis impactos que a ausência de qualificação dos diretores pode ter na gestão e segurança do sistema penitenciário. A existência de diretores sem qualificação técnica para o cargo pode comprometer a implementação de políticas de ressocialização, a gestão disciplinar dos presídios e a articulação entre a administração prisional e órgãos como o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Com a decisão do Ministério Público de Contas, a Sejus precisará reorganizar sua estrutura administrativa e substituir os diretores que não atendem às exigências da LEP. O Procurador-geral de Contas do MPC-ES, Luciano Vieira, destaca as consequências de um possível descumprimento por parte de Pacheco: “Adverte-se que esta Recomendação dá ciência ao destinatário quanto às providências solicitadas, podendo a omissão na adoção das medidas recomendadas implicar o manejo de todas as medidas legais cabíveis”, assevera.
Assim, Pacheco tem 30 dias para promover a substituição dos diretores desqualificados e 10 dias para comunicar ao Ministério Público de Contas o cumprimento ou não da decisão do órgão, com a especificação das providências adotadas.
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