
A cidade de Andradas, no Sul de Minas Gerais, tem se destacado nos últimos anos pelo reconhecimento da qualidade de seus cafés. O marco desse processo é o projeto Mapa dos Sabores, iniciado em 2020.
Um dos idealizadores da iniciativa é o agrônomo José Rafael Alberto, que decidiu mapear a qualidade do café produzido em Andradas. A ação foi realizada juntamente com o pesquisador francês, Stéfano Pontoni, da Universidade Erasmus de Rotterdam.
Em um trabalho minucioso, eles dividiram Andradas em 52 bairros agrícolas, cada um com suas particularidades de solo, altitude e tradições de cultivo, destacando as características sensoriais dos grãos cultivados. “Então, criamos mini viveiros e micro secadores suspensos, utilizando sombrite e outros materiais. Esses secadores tinham capacidade para processar 15 litros de café maduro. Cada bairro colheu seus próprios cafés, registrando informações como altitude, teor de açúcar do fruto, variedade e cultivar”, informou Rafael, ao Agro Estadão.
Após a mudança no processo produtivo, amostras foram enviadas para avaliação sensorial, e a grande surpresa veio com os resultados: mais de 95% dos bairros atingiram pontuações acima de 84 pontos, classificando-se como cafés especiais. “Descobrimos características diferentes de cada bairro. Então, nós criamos, vamos dizer, o terroir de cada bairro”, explica o agrônomo.
A partir disso, o projeto instalou placas em cada bairro conectando as informações sobre a qualidade do café com os pontos turísticos. “Nós estamos unindo agriturismo e sustentabilidade, porque o projeto é apoiado para que os produtores consigam ser sustentáveis econômica, social e ambientalmente”, ressalta Rafael.
História e identidade resgatadas
O projeto não se limitou a comprovar apenas a qualidade do café. Ele também resgatou a história das famílias produtoras, suas trajetórias e suas memórias.

Uma das famílias que participou desse projeto foi a de Karolaine de Cássia Rotelli, produtora e engenheira agrônoma, que representa a quarta geração de cafeicultores no Sítio São José. O envolvimento da família no Mapa dos Sabores começou em 2020, quando foram convidados a participar da iniciativa.
Ao Agro Estadão, a jovem produtora contou que cresceu acompanhando o trabalho do avô e do pai na lavoura e desenvolveu um profundo respeito pela tradição familiar. Motivada pelo desejo de contribuir para a sucessão no campo, ela se formou em agronomia e viu no projeto uma oportunidade de aplicar seus conhecimentos e demonstrar que a cafeicultura da família possuía alto potencial.
Segundo ela, com a orientação do projeto, a propriedade passou por um processo detalhado de seleção de talhões, secagem e provas de bebida, resultando em uma grande surpresa: 100% da produção apresentou qualidade excepcional. “A gente começou o trabalho colhendo, separando os talhões, fazendo a secagem correta, o processo de pós-colheita correto. E depois que esse café estava preparado, fizemos as provas das bebidas novamente, provando a qualidade da bebida dos talhões”, disse Karolaine.
Esse reconhecimento agregou valor ao produto e permitiu que a família comercializasse seus cafés por um valor 50% superior ao preço de mercado na época.
Para Karolaine, a participação no projeto significou mais do que ganhos financeiros, foi uma forma de reafirmar a continuidade da tradição familiar e demonstrar que a sucessão na cafeicultura pode ser bem-sucedida. “Resumindo em uma palavra o sentimento é de gratidão pela oportunidade de mostrar para nossa família que temos qualidade de bebida no nosso sítio. Além disso, é também mostrar para os meus pais que somos um caso de sucesso na sucessão familiar, na agricultura familiar e que a nossa história não termina aqui”, destaca a produtora.
Da lavoura ao reconhecimento global
Com o impacto positivo em Andradas, o projeto começou a ganhar visibilidade internacional.
Em 2021, a colaboração entre os especialistas e a comunidade de cafeicultores resultou na construção de um estudo de caso que passou a ser utilizado nas disciplinas de marketing da Universidade Erasmus de Rotterdam.
Segundo o professor Ariovaldo Alberto da Silva e CEO da Synapse consultoria, empresa que apoiou o projeto, o estudo destacou não somente a trajetória do Mapa dos Sabores, mas também como a valorização da identidade local pode agregar valor a um produto. “O caso foi brilhantemente construído, abordando aspectos práticos, mas, acima de tudo, destacando-se pela forma como foi escrito e utilizado. O caráter didático e educacional da história foi o que mais chamou a atenção”, enfatiza Silva, que além de apoiador do projeto, é irmão de Rafael.

Como resultado da dedicação para revelar a marca real dos cafés de Andradas, o estudo de caso, denominado “Café de Andradas — O projeto de marca da comunidade” venceu a categoria livre do The Case Center Awards 2025, uma das premiações mais prestigiadas do mundo acadêmico. O estudo de caso venceu ao lado de grandes universidades e empresas, como a Universidade de Harvard e a Nestlé.
“Foi muito importante para Andradas, para a comunidade e para a cafeicultura brasileira, principalmente a familiar de montanha. Com o prêmio é possível abrir uma janela daqui do campo para que pessoas que estão no mundo inteiro consigam olhar quem são esses produtores e como são essas lavouras”, diz Rafael, entusiasmado.
O professor Ariovaldo destaca que o projeto significou uma experiência reparadora, conectando histórias de diferentes famílias e resgatando a autoestima dos pequenos produtores. Além disso, ele recorda que a trajetória do projeto está profundamente ligada à história familiar dele e de Rafael, pois seu avô trabalhou com café em Andradas, enquanto seu pai se formou técnico agrícola. Por isso, ele pontua que a iniciativa vai além do aspecto econômico. “As informações coletadas não são apenas informações, mas as histórias resgatadas das famílias de Andradas”, ressalta.

O futuro do Mapa dos Sabores
Com a projeção alcançada e o reconhecimento internacional, o Mapa dos Sabores continua evoluindo. O estudo de caso desenvolvido na Erasmus University segue sendo utilizado como exemplo de inovação e marca no setor cafeeiro.
Agora, os pesquisadores e cafeicultores se preparam para uma nova fase. “A próxima etapa do projeto vai ser criar também os dados de fauna e flora de cada região de Andradas porque isso é importante para o turismo e é importante para a sustentabilidade”, pontua Rafael. Segundo ele, a iniciativa deve agregar ainda mais valor aos cafés especiais de Andradas.
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