MPF questiona bancas do CNU por negativas à autodeclaração de candidatos negros para cotas

O MPF (Ministério Público Federal) deu à Fundação Cesgranrio e ao MGI (Ministério da Gestão e Inovação) um prazo de cinco dias para prestação de informações sobre os casos de candidatos negros que tiveram suas identidades invalidadas pelas bancas avaliadoras no CNU (Concurso Nacional Unificado).

O ofício, enviado nesta segunda-feira (27) pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, foi motivado por um pedido conjunto de investigação feito por 22 candidatos que questionam a decisão das chamadas bancas de heteroidentificação —que avaliam as autodeclarações de pretos e pardos para evitar fraudes nas cotas raciais.

A Cesgranrio e o ministério são responsáveis pelas bancas e pelo concurso, respectivamente.

O documento pedindo a investigação chegou ao MPF no dia 17 de janeiro. O MPF informou que a procuradoria irá receber os denunciantes nesta terça-feira (28).

A iniciativa de reunir essas pessoas partiu do cientista político Gustavo Amora, militante do movimento negro cuja autodeclaração foi contestada. Ele teve seu caso revelado pela Folha de S.Paulo.

Representantes do grupo se reuniram na segunda (27) com a Secretaria de Políticas e Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial para tratar do tema. O grupo pressiona a pasta para articular a situação junto ao MGI.

Integrante do grupo, o bacharel em direito Octavio Neto, 24, já obteve vitória na Justiça contra a Fundação Cesgranrio em um outro concurso, da Caixa Econômica Federal, aplicado em maio do ano passado.

“Foi a primeira banca que eu passei de concurso em toda a minha vida, nunca tinha participado, foi o primeiro concurso que fiz e não sabia como funcionava”, afirmou. “Foi uma coisa absurda, porque eu comecei a entrar numa crise de identidade forte, porque sempre me considerei como pessoa parda e sempre fui lido como pessoa parda. Enfim, a vida inteira, ouvindo piadinha, alisando cabelo, aquela coisa que quem é, sabe.”

Neto já teve recurso negado no CNU e estuda ir à Justiça novamente contra a Cesgranrio. Ele continua disputando uma vaga em ampla concorrência no Concurso Nacional Unificado.

O Ministério da Gestão manteve seu posicionamento de que todo o procedimento das bancas de heteroidentificação seguiu a legislação adequada. A pasta não respondeu sobre o direito dos candidatos de terem acesso aos motivos do indeferimento.

A Cesgranrio, por sua vez, não quis comentar os casos e informou que todas as informações referentes ao tema são concentradas no MGI.

Entre os candidatos que tiveram suas declarações indeferidas estão profissionais que já participaram de bancas em concursos anteriores e só tiveram problemas para serem considerados negros pela avaliação das bancas do CNU.

É o caso do também bacharel em direito José Francisco Carvalho, 40, analista administrativo de gestão hospitalar na EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), cargo público no qual entrou por meio de cotas em maio de 2024.

Francisco relata que participou de bancas de heteroidentificação ao longo da vida, e que essa foi a primeira vez em que foi indeferido. Na faculdade, foi beneficiário do FIES e Prouni enquanto aluno negro, mas somente na banca do CNU teve a identidade questionada.

Em seu recurso, Francisco justificou o pedido de reavaliação com base no argumento de que atendia ao critério exigido no edital do concurso afirmando possuir aspectos fenotípicos de uma pessoa negra, como tom de pele pardo, textura de cabelo crespa, largura do nariz e lábios.

De acordo com especialistas no tema, há uma tendência de que esses critérios usados pelas bancas sejam uniformizados futuramente. Hoje, cada instituição ou órgão público estabelece os próprios requisitos e métodos para avaliar se os candidatos são, de fato, negros.

“O que é um pardo, o que é um indígena? Tem muita variabilidade. Parte dessa variabilidade [de critérios] vem de uma diferença jurídica, e essa parte sempre vai ter um grau de subjetividade”, diz Luiz Augusto Campos, professor e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O procedimento de avaliação da banca previsto no edital do CNU é de que apenas o aspecto fenotípico seja considerado, e que não haja nenhuma conversa ou entrevista com os candidatos.

“Só quem fala com você é o cinegrafista. É um processo em que parece que você está sendo fichado e ninguém fala com você, ninguém pergunta nenhuma vivência”, afirma a candidata Isabelle Nobre, 34. Ela relata ter ingressado na vaga de mestrado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) por meio da reserva de cotas para negros, mas teve a declaração negada no CNU.

De acordo com ela, a fundação se negou a informar os motivos do indeferimento alegando que a motivação era de caráter privado, ao que Nobre rebateu afirmando que a informação era restrita ao candidato, e pediu que explicassem.

“Não teve respeito ao contraditório, à ampla defesa.”

Nobre afirma que, em resposta, a fundação sugeriu que ela recorresse por vias judiciais, o que foi feito. Agora, o processo tramita no TRF-2, 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Em contato anterior feito pela Folha de S.Paulo, a Cesgranrio afirmou ter compromisso com a promoção da diversidade e que os processos das bancas são feitos de forma presencial e com gravação em vídeo.

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – MARIANA BRASIL

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