Estímulo à produção de jatobá transforma economia do oeste paulista

jatoba izabel

Apesar de ser fácil de encontrar à beira de estradas, na zona rural e nos perímetros urbanos dos municípios paulistas, o jatobá não é muito consumido no estado. Com cheiro característico, considerado desagradável por boa parte das pessoas, o fruto costuma marcar a infância de muita gente mais por esse fator do que pelo potencial econômico. 

No extremo oeste de São Paulo, o cenário começou a mudar há pouco menos de cinco anos pelas mãos da professora Izabel Castanha Gil. Geógrafa, ela dá aulas há mais de quatro décadas, tendo passado por escolas de Ensino Médio e universidades. Por 27 anos, também foi docente do Centro Paula Souza e agente de inovação para a região de Presidente Prudente. 

O principal foco de pesquisa no Doutorado de Izabel é o desenvolvimento regional, tema de livros e artigos que publicou. Durante esses estudos, a professora viu no jatobá perspectivas de gerar emprego e renda, regenerar o bioma da Mata Atlântica, da qual as árvores de jatobá são remanescentes, e organizar a cadeia do fruto que ainda não é estruturada no Brasil.

Em 2020, ela fez os primeiros experimentos com estudantes. Eles coletaram frutos – que são obtidos por meio de atividade extrativista –, que serviram à produção de mudas. Nascia o Projeto Jatobá, que, por causa da pandemia de Covid-19, precisou ser suspenso, mas voltou dois anos depois. Prefeituras da região passaram a contribuir e, desde então, 12 mil pés de jatobá já foram plantados. As árvores demoram de oito a 15 anos para dar frutos.

O projeto mapeou os pontos de coleta já existentes nos 30 municípios que compõem a regional da Agência Paulista de Tecnologias do Agronegócio (Apta). Juntos, eles totalizam uma extensão de 180 quilômetros no sentido leste-oeste. Com apoio dos próprios alunos e da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), Izabel começou a divulgar a iniciativa, visando formar uma equipe de pessoas interessadas em se tornar coletoras. 

A própria professora criou uma empresa, a Latitude 21, para desenvolver a farinha de jatobá, matéria-prima para diversos produtos à base do fruto, como bolos, sorvetes, licores, xarope, pães, geleias, entre outros – muitos dos quais foram destaques, com apoio da Apta, na última edição do Mesa São Paulo, promovido em novembro. 

“O nome da empresa não poderia ser outro. Precisava ter algum elemento que remetesse à Geografia. E, por coincidência, todos os municípios da região estão localizados na mesma latitude do globo terrestre. Daí, surgiu Latitude 21”. 

Farinha de jatobá é a matéria-prima para a produção de diversos produtos à base do fruto
Farinha de jatobá é a matéria-prima para a produção de diversos produtos à base do fruto. Foto: Arquivo Pessoal

Izabel explica que, quando a farinha é torrada, perde o odor que motiva preconceitos e se torna bastante requisitada. Tanto que um e-commerce foi criado para oferecer os produtos artesanais elaborados pelos coletores, o Empório Flamejante. 

Além dessa vertente, Izabel busca parceiros para expandir a participação das iguarias de jatobá no mercado. Em breve, junto com a Cooperativa de Consumo de Inúbia Paulista (Cocipa), deve ser lançado o primeiro produto em escala industrial – uma mistura para bolo de caneca de micro-ondas. 

O projeto também criou um roteiro do jatobá direcionado a estudantes, para que presenciem, in loco, a transformação econômica a partir do fruto, e desenvolveu a primeira jatobateca do Brasil, com referências bibliográficas sobre a cadeia produtiva. 

Eu amo jatobá”

Uma das artesãs que participam do projeto é Sonia Moreno, do município de Osvaldo Cruz. Até 2016, ela tocava uma loja de roupas, mas problemas pessoais a fizeram desistir. Começou a trabalhar com alimentos, especialmente feitos à base de gengibre. Convidada por Izabel, ela viu no jatobá uma chance de rememorar a infância. “Eu amo jatobá. O meu pai chegou até a plantar um pé de jatobá por minha causa”. 

jatoba sonia
Sonia trabalha com alimentos feitos com gengibre e, com a ajuda de outros coletores, decidiu incrementar o jatobá: resgate de memórias da infância. Foto: Arquivo Pessoal

Ela começou a fazer a coleta sozinha, mas logo precisou da ajuda da filha. Também contatou pessoas que pudessem colaborar na tarefa. De agosto de 2024 (quando iniciou a safra) até dezembro (quando a produção cessa), coletaram mais de cinco toneladas do fruto – cuja casca é usada por Sonia para o preparo de um xarope. 

O fruto é considerado um superalimento e devido aos nutrientes, é muito usado em programas alimentares e como anti-inflamatório para auxiliar em tratamentos de saúde. Sonia vende o produto pela internet e em estabelecimentos comerciais parceiros. Segundo ela, a procura já superou a do xarope de gengibre, com o qual ela trabalha há sete anos. 

Presidente de uma associação de artesãs, ela dá palestras para mulheres que pretendem empreender e participa de feiras todos os dias. Quer diversificar a oferta de produtos à base de jatobá e expandir os negócios a partir de 2025. “O espaço que tenho já está ficando pequeno”, conta. 

Rompendo fronteiras

Chamado também a integrar o projeto, Édipo Willian dos Santos, morador em Parapuã, estudou a morfologia do jatobá durante um ano e quatro meses. Ele é gastrólogo – profissional capaz de aplicar conhecimentos acadêmicos na gastronomia. 

Com as informações obtidas, partiu para o desafio de tornar a farinha de jatobá cada vez mais palatável. Os testes resultaram em uma receita de bolo. Depois, vieram outros produtos, como panetone com brigadeiro de jatobá, barrinha energética e molhos para carnes. 

O trabalho chegou à Barcelona Culinary Hub, universidade espanhola especializada na valorização da cultura e de biomas locais. Édipo foi convidado a fazer um mestrado em Sustentabilidade e Gastronomia Internacional, com tema referente a espécies da Mata Atlântica, entre elas o jatobá. Era o único brasileiro na sala. 

jatoba edipo
Por causa do jatobá, Édipo (de branco) foi convidado a cursar mestrado em Barcelona e agora dá cursos em parceria com prefeituras. Foto: Prefeitura de Parapuã/Divulgação

Com os conhecimentos adquiridos lá fora, Édipo passou a dar cursos, em parceria com prefeituras do oeste paulista e com o Centro Paula Souza, para pessoas em situação de vulnerabilidade. Em 2025, deve lançar o primeiro livro, com apoio da Lei Paulo Gustavo. “É um projeto diferente de tudo o que já fiz. Sempre gostei de cozinhar, mas descobri uma coisa, que é compartilhar saberes, algo que nunca imaginei que poderia fazer”. 

Próximos passos

Com o interesse pelo jatobá aumentando, a professora Izabel fomenta a criação de uma rede nacional de coletores, mais um passo para organizar a exploração do fruto de maneira sustentável no Brasil. Para isso, o Projeto Jatobá conta com a parceria do Instituto Pantanal Sul e da empresa Florestas Brasil, que coordena a coleta do grupo e a produção de farinha em reservas indígenas. 

Izabel acredita que, com isso, a tendência é caminhar para implementar uma fundação ou um instituto em prol do desenvolvimento de comunidades a partir do jatobá. “O projeto ficou maior do que eu”. 

Siga o Agro Estadão no Google News e fique bem informado sobre as notícias do campo.

O post Estímulo à produção de jatobá transforma economia do oeste paulista apareceu primeiro em Agro Estadão.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.