O inquisidor moderno: a nova cruzada dos coletivistas contra a liberdade de crença

Vivemos tempos confusos e perigosos, em que a liberdade individual – especialmente a religiosa – é cada vez mais sufocada por uma histeria coletiva. Tempos de um mundo que se diz plural, mas em que a pluralidade é, na prática, um crime. Cláudia Leitte, uma artista de alcance nacional, protestante declarada, trocou uma referência de sua canção por outra mais condizente com sua fé, no caso “Iemanjá” por “Yeshua”. A partir desse ato, um coro histérico se ergueu, acusando-a de nada menos que racismo. Sim, racismo! Como se o exercício de uma crença pessoal, em um país supostamente livre, pudesse ser enquadrado como uma agressão.

A liberdade individual é um escândalo. Dá urticária nos coletivistas, gera calafrios nos sacerdotes da unanimidade e transforma a convivência social em um campo de batalha onde o sangue não verte pela espada, mas por palavras. Palavras que, em sua perversidade calculada, não buscam mais construir, mas destruir. E se a liberdade individual é o grande sacrificado no altar do politicamente correto, então Claudia Leitte, por ironia do destino, é o mais recente cordeiro.

Mas essa polêmica não é apenas uma questão religiosa ou cultural. Ela escancara algo muito mais grave: a tentativa sistemática de certos grupos de impor uma unanimidade ideológica e religiosa à sociedade, usando a coerção estatal e o linchamento midiático como ferramentas. É necessário, portanto, destrinchar esse episódio e compreender o que ele revela sobre os perigos que rondam as liberdades individuais no Brasil.

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Aqui, estamos diante de uma questão vital: o que significa, afinal, a liberdade religiosa em um Estado — supostamente — laico? Pois se uma cantora não pode alterar uma palavra de sua música para professar sua fé, então o que resta do direito fundamental à crença e à confissão religiosa?

A verdade é que o Brasil, sob a capa do pluralismo, revela uma doença grave: a intolerância mascarada de virtude.

Liberdade versus totalitarismo

André Marsiglia explica que, embora haja muitos casos que mostram a falta de liberdade de expressão, nem tudo é, de fato, um caso de censura, e por isso decidiu explicar ‘didaticamente’ sobre o assunto em sua obra | Foto: Master1305/Freepik
O totalitário coletivista não quer coexistir; ele quer dominar | Foto: Master1305/Freepik

Exigir que um protestante louve uma entidade do candomblé é, sem rodeios, a mais pura violação do núcleo essencial de sua fé. Isso não é respeito. É coerção. E é aqui que precisamos traçar a linha entre liberdade e totalitarismo.

Uma coisa é alguém, em sua esfera íntima, não tolerar para si determinadas práticas religiosas alheias — algo perfeitamente legítimo e inerente ao direito fundamental à liberdade de crença. Essa “intolerância pessoal” nada mais é do que a lealdade à própria consciência, o direito de dizer “não” àquilo que contradiz sua fé ou sua visão de mundo. É a recusa em trair a si mesmo, um ato que protege a integridade do pensamento individual contra as investidas do conformismo coletivo.

Outra coisa, completamente diferente — e perigosamente oposta — é a intolerância que nasce da ânsia totalitária de controle. Essa não se contenta em viver e deixar viver. Não. Ela exige submissão. Exige que o outro renegue suas convicções, curve-se, confesse e pratique uma crença alheia sob o jugo de uma moral imposta. É a intolerância travestida de “respeito comunitário”, mas que na verdade busca suprimir a liberdade individual para instaurar uma hegemonia religiosa ou ideológica, usando o aparato estatal como chicote.

A diferença é brutal e clara: enquanto a primeira intolerância — a individual — resguarda o pluralismo e a autenticidade, a segunda é um golpe contra a liberdade, uma investida para transformar o diverso em uniforme, o indivíduo em rebanho.

O totalitário coletivista não quer coexistir; ele quer dominar. Ele não quer que você respeite a sua própria fé — ele quer que você abdique dela. Não aceita o seu direito de discordar, porque a discordância o desmascara, expondo a sua tirania como o que ela realmente é: um culto à submissão.

E é exatamente isso que está em jogo no caso da cantora Cláudia Leitte.

A decisão de adaptar sua música à sua fé foi imediatamente condenada como um “ato intolerante”. Mas quem aqui é o verdadeiro intolerante? A cantora, que se manteve fiel à sua confissão de fé, ou aqueles que, de dedo em riste, exigem que ela adote um comportamento contrário às suas convicções?

Intolerância disfarçada de virtude

claudia leitte
A cantora Cláudia Leitte durante show. Ela passou a ser alvo de militância ao se recusar a dizer ‘Iemanjá’ em uma canção | Foto: Reprodução/Redes sociais

A intolerância que finge ser virtude é, no fundo, a face mais perversa do autoritarismo. E o Brasil, ao ceder a essas acusações vazias, flerta perigosamente com a institucionalização desse pensamento totalitário.

Ao acusar a cantora de racismo, esses inquisidores modernos não apenas cometem um erro conceitual, mas também desferem um golpe mortal na seriedade de um dos mais importantes institutos do Direito Penal: o racismo delitivo. Este, que exige dolo específico — a intenção deliberada de discriminar ou inferiorizar —, está sendo reduzido a um rótulo vazio, aplicado a esmo para atender aos caprichos de uma militância coletivista sedenta por linchamentos públicos.

Racismo não é uma palavra solta ao vento, uma etiqueta que você gruda arbitrariamente em qualquer comportamento que lhe desagrade ou contradiga suas crenças ideológicas. Não! Racismo é um instituto jurídico e um crime severo. Portanto, acusar alguém de racismo sem entender o peso dessa palavra é não apenas uma ofensa à verdade, mas uma grave banalização de algo que deveria ser tratado com a máxima seriedade.

Na prática, o que se observa é uma recorrente e perigosa subjetivação do conceito de racismo, que agora é moldado não pela lei, mas pelos devaneios ideológicos de quem acredita deter o monopólio da ordem social.

Estamos assistindo à morte da liberdade em nome de uma coletividade doente, onde a diferença é tratada como afronta e a imposição tirânica se disfarça de virtude.

Cláudia Leitte é apenas o exemplo mais recente de um movimento mais amplo, que visa a erradicação do direito individual em prol de uma unanimidade autoritária.

Nesse caminho, veremos não apenas artistas, mas cidadãos comuns sendo processados, condenados e silenciados por ousarem pensar ou crer de forma diferente. Quando isso acontecer, não será apenas a liberdade religiosa que estará em jogo, mas a própria essência do que significa ser livre.

Claudia Leitte não está sendo julgada porque trocou uma letra. Ela está sendo julgada porque ousou ser livre. Isso, hoje, é o maior crime de todos.

Leia também: “A ressurreição da fé”, artigo de Ana Paula Henkel publicado na Edição 249 da Revista Oeste


Por Gabriel Carvalho de Jesus. Advogado.

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