Esta máquina é vital para manter o mundo como conhecemos funcionando

Brienna Hall, 29, é uma funcionária dedicada que, quando entrou na Advanced Semiconductor Materials Lithography (ASML) como engenheira de suporte ao cliente no ano passado, não fazia ideia do que teria de fazer e não tinha ideia da função e importância da ASML em nossas vidas.

Vale dizer que o trabalho dela é vital para a economia do planeta. E o trabalho dela na fábrica de chips começa com ela se vestindo com uma roupa toda branca, que a cobre dos pés à cabeça. Isso porque, dali, ela entra em uma sala com um ar puro 100 vezes mais limpo que o de uma sala de cirurgia hospitalar. Então, imagine como é lá.

Uma vez lá dentro, ela vai até uma máquina gigantesca e complexa, chamada máquina de litografia ultravioleta extrema (EUV, na sigla em inglês). Detalhe: o mundo inteiro confia nela e Hall é uma peça vital nisso tudo. “Achei que tinha o trabalho mais legal de todos os tempos. Eu não processei o fato de que este trabalho é necessário para que todo o nosso mundo exista como existe”, expressou Hall ao The Wall Street Journal.

Logos de ASML e outras empresas de tecnologia em um navegador
ASML é um elo de ligação no setor de semicondutores e chips (Imagem: Tada Images/Shutterstock)

O que a máquina vital da ASML faz, afinal?

  • A resposta é simples: essa máquina produz os microchips mais avançados do planeta;
  • Sua construção foi feita com complexas tecnologias e criou as peças de silício no que molda nossa vida moderna;
  • Mas não pense que existem muitas delas no mundo – na verdade, há apenas algumas centenas;
  • A mantida por Hall custou à ASML US$ 170 milhões (R$ 1,05 bilhão, na conversão direta), enquanto modelos mais recentes custam cerca de US$ 370 milhões (R$ 2,29 bilhões);
  • Mas, você sabia que todas essas máquinas são produzidas pela própria ASML?

Funciona assim: a ASML é uma empresa holandesa que mantém a união do negócio mundial de chips, já que ela é responsável por todos os sistemas de litografia EUV capazes de auxiliar na produção dos chips em vários dos dispositivos que você tem na sua casa, como seus smartphone, tablet, TV e, talvez, até seu carro.

Portanto, tais máquinas são indispensáveis hoje em dia, assim como a atuação de Hall por trás delas. Dela e de outras engenheiras que atuam nas fábricas da ASML nas quais os clientes da holandesa produzem seus semicondutores. Hall, por exemplo, mora em Boise (EUA), sede da Micron, importante produtora de semicondutores.

Origem das EUVs

Essa gigantesca máquina originou-se há 40 anos em um galpão holandês, exatamente onde a ASML foi criada. Para a metade da década de 1980, imprimir chips por meio de luz ultravioleta extrema era algo incrível, mas não era algo real ainda.

Para isso, seria necessário muito mais tempo e dinheiro do que aqueles que sonharam com a tecnologia previam. O processo depende da vaporização de gotículas de estanho derretido e emissão de luz não produzida de forma natural em nosso planeta – didaticamente falando.

Vamos tentar explicar o passo a passo a seguir:

  1. Na câmara de vácuo, gotículas minúsculas da lata são injetadas;
  2. Um primeiro pulso de luz laser amplificada é responsável por achatar cada gota;
  3. Um segundo pulso é responsável por obliterar as gotículas, criando plasma que emite luz violeta extrema. O processo acontece 50 mil vezes por segundo;
  4. O laser é disparado no vaso de origem onde a luz EUV é criada;
  5. Na câmara de vácuo, o feixe EUV é refletido no modelo e captura o padrão do chip a ser impresso;
  6. Esse padrão é impresso várias vezes em cada pastilha de silício e grava bilhões de padrões microscópicos de transistores.

O EUV possui comprimento de onda bem mais curto, além de mais energia por fóton que a luz visível.

Diminuição do comprimento de onda

A indústria de semicondutores sempre questiona como embalar os transistores em chips cada vez mais, de modo a torná-los cada vez mais rápidos. Para isso, eles deixam os comprimentos de onda da luz cada vez mais curtos.

As primeiras máquinas desenvolvidas pela ASML criaram luz com comprimentos de onda de 436 nm, mas as mais recentes conseguem fazer isso com 13,5 nm. Dessa forma, os chips atuais são fabricados em resoluções dez mil vezes mais finas que o cabelo humano.

E o Journal listou duas curiosidades interessantes a respeito das EUVs e sua fabricante:

  • Para desenvolver os espelhos, a ASML se uniu a uma empresa óptica alemã. Eles são tão planos que, se fossem dimensionados para o tamanho da Alemanha, sua maior imperfeição seria inferior a 1 mm;
  • As máquinas EUV têm tanta precisão que seria o mesmo que apontar um feixe de laser de sua casa e acertar uma bola de pingue-pongue localizada na Lua (lembrando que a Terra está a 384,4 mil km de nosso satélite natural).

Desenvolvimento lento e incerto

Enquanto as máquinas EUV demoraram décadas para deixarem os laboratórios e fossem para as fábricas, não se sabia se a aposta da ASML na litografia EUV seria bem-sucedida.

Em 2012, precisando de dinheiro, a empresa holandesa vendeu 23% de suas ações para Intel, Samsung e Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC). Isso mostrou como seus principais clientes estavam investindo no sucesso dela.

Lentamente, a ASML aumentou sua produção. Veja: o primeiro sistema EUV foi entregue em 2010. Foram necessários dez anos para que o 100º fosse liberado. Já em 2023, foram 42 dessas máquinas produzidas.

Um estudo da empresa mostra que, em 2017, ela tinha pouco mais de quatro mil funcionários como Hall, ante quase dez mil deles em 2023. Já as remessas anuais do sistema EUV cresceram de dez em 2017 para mais de 50 em 2022.

“Eles [funcionários de suporte ao cliente] são as tropas da linha de frente da ASML”, diz Jim Koonmen, diretor de clientes da holandesa. Além disso, apenas seis empresas detém tais máquinas para fabricar seus chips, enquanto muitas outras dependem indiretamente da ASML para produzirem seus semicondutores, incluindo gigantes.

Duas delas são Apple e Nvidia, que projetam seus chips e terceirizam a produção para a TSMC. Ou seja, a tecnologia da ASML é vital para a produção de data centers de inteligência artificial (IA), iPhones, a GPU que você tem instalada em seu PC para jogar aquele seu jogo favorito, e por aí vai.

Logo da ASML em uma fachada
Empresa holandesa é responsável pela fabricação da máquina vital para o universo dos chips (Imagem: testing/Shutterstock)

Suporte ao cliente é primordial

Os dez mil funcionários que trabalham diretamente com os clientes da ASML são muito importantes, pois a clientela espera que suas máquinas de litografia operem dia e noite. Contudo, as interrupções acontecem de forma imprevisível. Assim apontou o jornalista holandês Marc Hijink em seu livro que fala sobre a companhia, “Focus”.

Este ano, a TSMC foi afetada por terremotos ocorridos em Taiwan. Já no passado, a Intel se preocupou com um problema de litografia causado por um tipo de “estrondo” mais sutil. Uma mudança no padrão do vento que carregava gás metano de fazendas leiteiras próximas: puns de vacas.

Apesar disso, é raro esse sistema dar problema. Contudo, ele é o gargalo de todas as fábricas, as quais recebem backups caso caiam. Por isso, pessoas, como Hall, são empregadas 24 horas por dia na ASML.

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Escolha de funcionários

A máquina possui mais de mil peças. Por isso, ter pessoas com excelente preparação é vital. “Você está sempre resolvendo problemas”, disse Alex Jordan, outro engenheiro da ASML. “Como posso ser mais eficiente? Onde posso otimizar isso? E se tentássemos isso?”

Para o cargo de suporte ao cliente, a empresa busca engenheiros diligentes, disciplinados e detalhistas. Hall, que se formou em ciência e engenharia de materiais e transcreveu notas para um professor que escrevia um livro sobre mecânica quântica, recebeu recomendação de um de seus professores e logo foi chamada para uma entrevista.

A jovem ficou encucada quando o entrevistador quis saber como ela se sentia em espaços apertados e com roupas como as que ela usa hoje no trabalho. Além disso, ela descobriu que o trabalho de nível básico envolvia viagens extensas. Pensa que isso a fez pensar duas vezes? Que nada! “Sempre quis viajar e mal tinha descido a Costa Oeste”, ela diz.

A primeira grande viagem que Hall fez foi para Taiwan, onde ficou por um mês. Lá fez um curso no centro de treinamento da ASML, visando se familiarizar com as peças da máquina EUV, como o scanner (onde os espelhos que focalizam a luz), a fonte (que gera a luz) e o laser de acionamento (onde os lasers ficam).

Em seu retorno à Boise, ela foi apresentada à máquina da Micron, ao passo em que ela desenvolveu sua experiência em meses de aulas realizadas em Taiwan, San Diego (EUA) e Alemanha.

Durante quase um ano, a moça foi aprendiz, até que, enfim, seus superiores permitiram que trabalhasse sozinha com a EUV. Quando está em sua cidade, a funcionária encontra-se no escritório da ASML, a poucos minutos do campus a Micron.

Seu turno dura 12 horas, das 6h às 18h. No inverno estadunidense, ela chega bem antes do nascer do Sol e só deixa o espaço bem depois que ele se põe. Há dias em que ela vai direto para a fábrica; em outros, ela vai para sua mesa de escritório e fica observando números em suas telas até “ter certeza de que a máquina não entrará em combustão automática”.

Então, Hall põe atenção para o planejamento da série de ações que precisará realizar durante a “parada programada“. Trata-se de uma interrupção de rotina, na qual realiza uma manutenção preventiva, visando mitigar riscos de “parada não programada”.

Enquanto a mulher considera divertido qualquer trabalho realizado na máquina, ela acha estressante lidar com pessoas (e quem não acha?).

Nossa máquina é complexa o suficiente para ter personalidade, mas ainda é uma máquina. Se você apertar os botões certos, ela aparecerá. Você só precisa descobrir quais botões pressionar. Eu posso resolver isso. Podemos resolver isso. Os humanos são muito mais complexos do que qualquer máquina que eu conheço.

Brienna Hall, engenheira de suporte ao cliente da ASML, em entrevista ao The Wall Street Journal

Micron e a EUV queridinha de Brienna

Sabia que, no Idaho, onde a Micron foi fundada, até os microchips vêm de batatas? Um dos investidores da fabricante de chips era um barão de batata, mas isso foi há quase 50 anos. Hoje, a empresa está trabalhando em uma fábrica local, que custará um total de US$ 15 bilhões (R$ 92,87 bilhões), visando trazer a fabricação de memórias de ponta de volta aos EUA.

Seu tamanho total? O equivalente a dez campos de futebol. Enquanto o Empire State Building precisou de cerca de 200 m³ de concreto, a fundação da planta da Micron deverá precisar de quatro vezes esse valor, ou seja, 1.000 m³.

Do lado, há a fábrica de pesquisa que já existe. Nela, a máquina EUV, produzida na Holanda e que pesa mais de 136 mil quilos, está instalada. Para sair da Europa e chegar aos EUA, ela foi carregada por três aviões de carga 747.

Voltando à jovem que mexe com essa estrutura colossal, ela não consegue ficar mais do que alguns dias longe de sua “preciosa”. “A essa altura, fico com coceira e crio um motivo para entrar [e ver a máquina]”, conta.

Fábrica da Micron em Boise (EUA)
Esta é a casa da máquina de EUV na qual Hall trabalha (Imagem: Charles Knowles/Shutterstock)

Entrando na sala de trabalho

Como citamos, ao entrar, Brienna precisa se cobrir da cabeça aos pés, visando evitar que qualquer partícula de poeira vá com ela, já que isso seria desastroso. Além disso, ela verifica se não precisará ir ao banheiro. “Vou espaçar e limitar meus goles de água – e não vou beber café”, explica a moça.

O ambiente tem luzes amarelas fracas, é quente, barulhento e desorientador. Ao menos, para quem não está acostumado. Para Hall, é o oposto, pois ela entra em um estado de fluxo.

Para ela, lidar com os problemas que a máquina apresenta é algo natural, como um atleta acostumado com o esporte que pratica. “Quando estou na ferramenta e corrigindo um problema, é como se todo o resto ficasse quieto – e estou apenas focada em fazer isso. E não há nada melhor do que apenas se concentrar nesse problema até que seja resolvido”, afirma.

Na visita do Journal ao equipamento, ele tinha acabado de sair do modo de produção para que Hall trabalhasse na avaria. Eles tinham duas horas para corrigir o que quer que tivesse acontecido.

Ela olha o notebook para revisar os detalhes de seu plano de serviço, passa por um “labirinto” e para, remove a porta de um armário e se espreme dentro da máquina! A moça, então, começa a mexer em vários cabos emaranhados e em locais apertados, até que volta rapidamente e diz que o problema estava em uma mangueira que “não está fazendo o que deveria”.

Isso significa que havia um bloqueio na condução de água, fazendo com que a mangueira não esfriasse adequadamente, gerando mais calor do que deveria. Ao tocar na mangueira, Hall sentiu uma pequena distorção, podendo ser um grande problema em potencial.

Isso, pois, mesmo esse pequenino problema seria capaz de derrubar a máquina toda caso a mangueira estourasse. A ruptura ativaria o sensor de vazamento e acionaria uma parada imediata.

Os engenheiros da ASML já tinham ciência de que o circuito em questão estava pressionado e já tinham um plano para resolvê-lo durante a próxima descida programada, mas havia um porém: isso aconteceria somente em três semanas.

Eles até poderiam aguardar todo esse tempo, mas Hall poderia simplesmente ir até lá e resolver o problema logo. Ela quis seguir seu próprio plano expondo a um funcionário da Micron o que estava acontecendo e ele autorizou sua imersão.

Para corrigir o problema, sabe do que ela precisou? De dois baldes vendidos em qualquer depósito de materiais de construção (talvez até em lojas de R$ 1,99!). Visando trocar a mangueira sem fazer com que caísse água em todos os lugares, a funcionária drenou o líquido até que os baldes estivessem quase 100% cheios.

A mangueira, feita de Teflon, foi cuidadosamente substituída por ela. Então, Hall conectou sensores térmicos para monitoramento e fechou a porta. Agora, as coisas podiam voltar ao normal.

“Do ponto de vista da engenharia, é um pouco monótono, mas aprendi a me orgulhar do fato de que minhas máquinas estão funcionando e produzindo para nossos clientes“, a moça comenta. E, veja bem: ela fez exatamente o que precisava fazer, exatamente como deveria fazer, e ninguém lá fora jamais saberá disso.

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