Vela que incendeia a casa-grande

Foi Dia da Consciência Negra nessa quarta (20), agora feriado nacional, e a proposta da coluna desta semana é indicar trabalhos musicais imperdíveis que exaltam a cultura preta. São muitos, claro. Mas vou compartilhar alguns que felizmente passaram pelo meu redar nos últimos anos e nas últimas semanas.

Pop, rock, jazz, documentário, ativismo, justiça histórica. Todo esse contexto faz parte das sugestões abaixo e valem demais o nosso mergulho.

O vencedor do Grammy

Quem tem tudo para se tornar um dos artistas do momento é o cantor, violonista e compositor Jota.pê, 31, brasileiro mais premiado no Grammy Latino deste ano.

João Paulo Gomes da Silva, paulista de Osasco e ex-The Voice, recebeu em Miami, na última quinta-feira (14), as estatuetas de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira/Música Afro-Portuguesa Brasileira e a de Melhor Álbum de Engenharia de Gravação – por “Se meu peito fosse o mundo”, seu segundo álbum, lançado em março. Ele venceu ainda pela Melhor Canção em Língua Portuguesa, com o single do disco, “Ouro marrom”.

A canção ganhadora, intimista, mas profunda, aborda o racismo e, apesar da calmaria da voz e violão, o canto potente de Jota.pê dá o recado: “Que essa pele marrom suba o tom se for preciso”.

O álbum também se destaca quando aborda a soul music, embora aposte em certo ecletismo – tem um forró, por exemplo. Vale ouvir.

Assista ao clipe de “Ouro Marrom” aqui:

E ouça o álbum premiado:

Alma recuperada

Um dos documentários mais impressionantes dos últimos anos, “Summer of Soul (…Or when the revolution could not be televised)”, disponível na Disney+, é um presente ao mundo que faz justiça histórica.

O trabalho, de 2022, apresenta todo o contexto do Harlem Cultural Festival. Este teve 40 horas de gravações, de Hal Tulchin, que simplesmente estavam inacessíveis desde 1969, data do festival, em mais uma ostensiva ação de apagamento das culturas negra e latina. O diretor, Ahmir “Questlove” Thompson, é o responsável pelo primoroso trabalho de restauração das imagens.

O episódio é ainda mais impressionante pela data em que ocorreu: 1969, no Harlem, bairro de Nova York conhecido por ser um centro cultural e comercial afro-americano. Era o mesmo verão do Woodstock. E o mesmo em que o homem pisou na lua. O festival foi um grito contra o racismo que contou com Stevie Wonder (de apenas 19 anos), Nina Simone, B.B. King, Sly and The Family Stone, nomes do gospel, do jazz, do blues e muito mais.

Já imaginou todos esses personagens cantando em cima do palco, se divertindo e entrando em êxtase? É inimaginável. Se trata de um recorte do melhor que a música pode oferecer em toda a história do planeta, sob um contexto revolucionário influenciado pelo assassinato (1968) de Martin Luther King e pela Guerra do Vietnã. Um empoderamento coletivo que teve representantes dos Pantera Negra fazendo a segurança do festival.

Absolutamente imperdível.

Black Pantera

A banda de rock que mais tem chamado a atenção no país, com um som pesado e que tem muito a dizer às pessoas, como registramos em entrevista neste espaço no dia 30 de maio.
(https://eshoje.com.br/colunistas/felipe-izar/2024/05/black-pantera-prova-que-o-rock-esta-vivo-para-quem-tem-o-que-dizer/)

O Black Pantera, grupo de afro-rock formado por Rodrigo Pancho (bateria), Chaene da Gama (baixo) e Charles da Gama (guitarra e voz), mineiros de Uberaba, colocou o ativismo em campo e tem disseminado seu recado em eventos como Rock in Rio, Lollapalooza, Knotfest, Primavera Sound e Afropunk.

“Somos vela que incendeia a casa-grande”, cantam eles na música “Candeia”, faixa do disco “Perpétuo” (2024). O grupo concorre ao Prêmio Multishow na categoria Rock do Ano.

Ouça Black Pantera:

Batuque Santo

A cultura brasileira em seu estado mais elementar, diverso, é o significado do novo disco do multi-instrumentista e compositor Gabriel Ruy, Batuque Santo, já disponível nas plataformas digitais. Com oito faixas, o álbum de música instrumental é um deleite para quem gosta de lindas melodias. Nasce da música negra e se conecta profundamente com o espírito afro-brasileiro, além de trazer outras culturas sem perder a essência – inclusive a norte-americana.

Neste mês da consciência negra, o trabalho é representativo: prospera de dentro para fora, sem perder identidade, e entrega um “jazz” com mais elegância e “simplicidade” do que virtuosismo.

Ouça aqui:

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