Espírito Santo tem 1,6 mil internações de mulheres por saúde mental

O Espírito Santo registrou, em 2023, 1.646 internações de mulher por transtornos mentais e comportamentais. O dado foi divulgado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), em contribuição a campanha Janeiro Branco, destinada ao cuidado com a saúde mental.

A psicóloga Naira Araújo alerta para os desafios que as mulheres enfrentam em relação à saúde mental, destacando como fatores sociais e culturais ainda afetam profundamente o bem-estar emocional delas.

Segundo Naira, embora a psicanálise tenha tentado entender os comportamentos e sofrimentos das mulheres, muitas vezes ainda ela reflete visões patriarcais. “É crucial dar voz às experiências femininas e reconhecer a importância da autonomia”, afirma.

De acordo com a pesquisa, 70,4% deste total de internações são de mulheres negras, enquanto 31% tinham idades entre 15 e 29 anos. “Esse quadro reflete a dificuldade em lidar com emoções e traumas em um contexto de desigualdade, onde o apoio familiar muitas vezes é insuficiente, levando as mulheres a recorrerem a instituições de cuidado”, observa a psicóloga.

Cerca de 41% dos casos foram causados por Transtornos de Humor (Afetivos), que são aqueles nos quais a perturbação fundamental é uma alteração do humor ou do afeto, no sentido de depressão (com ou sem ansiedade associada) ou de uma elação.

Em seguida, aparecem a Esquizofrenia (transtornos esquizotípicos e delirantes) representando 30,7%, Transtornos Mentais e Comportamentais devido ao uso de outra substância (11,3%), Outros Transtornos (7,4%) e Transtornos Mentais e Comportamentais devido ao uso de álcool.

Transtornos neuróticos, relacionados com “stress” representam 2,4% dos casos, enquanto Retardo Mental e Demência representam 0,5% e 0,2%, respectivamente. No mês de janeiro, tradicionalmente voltado para a conscientização sobre a importância da saúde mental, Naira enfatiza a necessidade urgente de promover discussões mais profundas sobre as condições de vida e saúde emocional das mulheres.

“Ainda temos muito a conquistar no que diz respeito ao poder sobre nossas vidas, à capacidade de decisão sobre nossas casas e à necessidade de uma divisão equilibrada entre as tarefas profissionais e domésticas”, destaca.

Transtornos mentais e comportamentais matam

No período, foram 82 mortes de mulheres por lesões autoprovocadas no Espírito Santo. Novamente, mulheres negras são maioria, representando 52,4% dos casos. Cerca de 53% dos casos eram de mulheres com idades entre 30 e 49 anos.

Vila Velha e Serra são os municípios com mais registros, sendo oito mortes em cada. Em seguida aparecem Vitória (7), Linhares (7), Guarapari (6), Piúma (5) e Cachoeiro de Itapemirim (5).

Ao todo, 57 mulheres morreram no ES por transtornos mentais e comportamentais em 2023. 64,9% destas eram negras e 24,6% tinham entre 60 e 69 anos. Um alerta do Instituto é que 57,9% das mortes por transtornos mentais e comportamentais no Espírito Santo foram causadas devido ao uso de álcool.

De acordo com a especialista, a falta de suporte adequado, o estigma e o medo de serem julgadas dificultam o diagnóstico e o tratamento das mulheres que enfrentam transtornos mentais.

Segundo Naira, a construção social que inclui desigualdade, discriminação e a falta de recursos, é um fator crucial para a saúde mental das mulheres. “A questão do uso do álcool como forma de escape, por exemplo, reflete a busca por alívio diante do sofrimento, mas também evidencia a falta de acesso a cuidados de saúde mental adequados”, afirma.

Rotina exaustiva

Para a psicóloga, a luta das mulheres por direitos e autonomia continua sendo um tema central, especialmente no contexto atual, onde, embora muitas vitórias tenham sido conquistadas, ainda há um longo caminho a percorrer

“Hoje, a mulher enfrenta uma carga muito maior, pois ao ingressar no mercado de trabalho, acumula funções: as responsabilidades do lar e a figura culturalmente imposta como cuidadora da família”, explica a psicóloga.

Muitas mulheres recorrem ao uso de substâncias como álcool ou medicamentos psiquiátricos, com ou sem acompanhamento médico, como forma de lidar com o estresse e a sobrecarga emocional. Esse comportamento é, muitas vezes, uma tentativa de escapar de uma dor emocional que não encontra outros meios de alívio.

Além disso, a psicóloga destaca que as mulheres ainda enfrentam situações de agressão doméstica e trauma psicológico devido à falta de apoio em uma sociedade que ainda não conseguiu evoluir em termos de igualdade de gênero.

“As mulheres, muitas vezes, são vítimas de um sistema que as pressiona a desempenharem papéis múltiplos, mas que não oferece as condições necessárias para que possam cuidar de si mesmas”, pontua.

Serra é o município com mais internações do ES

O município da Serra lidera o ranking de internações, com 183 casos, seguido de Cachoeiro de Itapemirim (164), Vila Velha (155), Cariacica (127) e São Mateus (111). A capital, Vitória, aparece na 6ª colocação, com 94 casos.