Casca de banana e domínio retórico

Os brasileiros desconheciam que a Receita Federal tinha controle sobre a vida deles. Sempre teve. Todas as movimentações financeiras acima de R$ 2 mil, no caso de pessoas físicas, e R$ 5 mil, no de jurídicas, são registradas pelo Banco Central e informadas aos órgãos de controle. Portanto, nada de novo debaixo do Sol, como registrou o Rei Salomão. A direita apenas usou de sua portentosa capacidade de capturar a atenção do mundo digital com a criação de fatos políticos no caso do Pix.

Casca de banana e domínio retórico

O que importa, ao menos aqui nesta coluna, não é a economia em si, se os mecanismos de controle e arrecadação do governo são eficazes e necessários, se a política fiscal adotada pelo Ministério da Fazenda vai tirar o Brasil do atoleiro ou, tampouco, analisar a lambança que se tornou o anúncio da regulação do Pix. Tudo isso é importante, mas o que nos traz a este espaço é como tudo isso chega até nós cidadãos e o que há por detrás das cortinas de vidro embaçadas das narrativas – a expressão linguística da moda e adorada por um e outro lado do espectro político.

A comunicação feita pela oposição foi eficaz, não se pode negar, goste você ou não do deputado federal Nikolas Ferreira. A direita conseguiu fazer o governo recuar na medida que previa a fiscalização do Pix – como se a Receita já não vigiasse nossas vidas em tempo real. As respostas do Palácio do Planalto e da esquerda é que foram insuficientes.

O governo rebateu as fake news de que o Pix seria taxado com uma série de posts meramente técnicos, com linguagem pouco acessível ao cidadão. “Flopou”, na linguagem do ambiente digital para quando um conteúdo não tem muita adesão, enquanto o vídeo do parlamentar bolsonarista bateu todos os recordes de audiência, falando uma linguagem que todos entendem.

Ao se deparar com o erro tecnicamente estratégico que cometeu, a esquerda escalou a deputada Erika Hilton, que indiscutivelmente tem uma oratória envolvente. Mas erraram estrategicamente, mais uma vez. Em vez de surpreender o adversário, atacando um novo campo, como manda o manual das guerras híbridas políticas, voltaram ao tema pautado pela oposição, sustentando o assunto.

No intrincado mundo da retórica, quem fala primeiro sobre determinado assunto avoca naturalmente esse tema para si. Algo como uma propriedade intelectual. Eu sei, racionalmente isso é uma insanidade, ninguém é dono de expressões e ideias, mas é assim que a mente humana recebe os comandos provenientes da linguagem.

O deputado bolsonarista parece dominar bem esse tema. Não o do controle do Pix, e sim o da programação neurolinguística. Seu vídeo expõe o uso de exercícios retóricos convincentes. Primeiro, ele assume que o Pix não será taxado, para, só depois, desfiar sua série de argumentos. Ao endossar a resposta do governo às fake news que surgiram dias antes, o deputado Nikolas cria um ambiente favorável para que as palavras que virão dali por diante sejam recebidas pelo interlocutor (no caso, você, que assistiu ao vídeo) com mais atenção, assimilação e até mesmo aceitação. As declarações dele passam a ser mais críveis.

‘Se até o deputado opositor repete o discurso do governo, sua narrativa é isenta e confiável’, assim receberam o vídeo, os mais céticos e desapaixonados. E é aí que ele fura a bolha da direita. O deputado também sabe que pequenos empreendedores carregam medo de não conseguir cumprir com suas obrigações fiscais e pagar os impostos, portanto tendem a endossar as palavras do parlamentar, escolhendo o lado de quem os defende – mesmo que apenas por meio do discurso empático.

Do outro lado, em resposta, a deputada Erika Hilton não falou para além da sua própria bolha. Rebateu, ponto a ponto, as mentiras propagadas nos dias anteriores, o que é uma necessidade urgente em tempos de desinformação constante. Mas se analisarmos seu discurso do ponto de vista da neurolinguística, não foi persuasivo a ponto de capturar a atenção dos céticos, aqueles que não tão à direita. Nosso cérebro associa explicações em demasia a desculpas. Desmentir boatos é uma necessidade imperiosa em governos. Mas há que se avaliar conteúdo, tom, linguagem e tempo. A esquerda errou no uso de pelo menos três desses quatro elementos.

Não custa lembrar que a direita não é tão contrária a taxações, sobretudo do Pix. A internet resgatou uma série de vídeos do ex-ministro Paulo Guedes em que ele defende, abertamente, a cobrança de impostos. Está na rede para quem quiser ver. Os que são a favor de determinada medida hoje podem ser contra amanhã. Tudo é uma questão de narrativa e oportunidade. A ocasião faz a revolução.

Nos próximos dias, o governo vai colocar no ar uma campanha publicitária para explicar, mais uma vez, aquilo que todo mundo agora já sabe: o Pix não será taxado. Enquanto isso, a direita prepara o levante de seu próximo ataque digital, em uma outra área qualquer cujo apelo popular seja de grandes proporções. Ao levantar um assunto indigesto atrás do outro, a direita exerce seu domínio retórico sobre a esquerda, que se ocupa de dar explicações para as escorregadas nas cascas de banana lançadas por seus opositores.

Na esfera digital, a direita tem dado aula e a esquerda ainda tem muito o que aprender.

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