A história da jornalista que testemunhou o sequestro de Silvio Santos e foi recebida pelo apresentador por ter ‘ajudado a salvar vida dele’


Carla Augusta Sant’Anna era produtora do antigo Canal 21, da TV Bandeirantes, e tinha recebido a missão de registrar a volta à rotina da família Abravanel, dois dias depois do sequestro da filha mais nova de Silvio Santos e Iris, Patrícia. Ela foi a principal testemunha do sequestro que durou mais de 7h e parou o Brasil em 2001. Jornais de 2001 contam a saga da jornalista que foi testemunha ocular do sequestro do apresentador Silvio Santos.
Acervo pessoal
Ícone da televisão brasileira, o apresentador Silvio Santos era conhecido não apenas pelo carisma que transmitia em seus programas, mas também pela simplicidade e gestos de reconhecimento na vida privada.
Um desses gestos marcou profundamente a vida da jornalista Carla Augusta Sant’Anna, que na época tinha apenas 23 anos e foi convidada pelo próprio apresentador para ir até a casa dele tomar um chá, dois dias depois de um dos momentos mais tensos da vida da família: o sequestro da filha Patrícia e, posteriormente, do próprio Senor Abravanel.
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Na quinta-feira, dia 30 de agosto de 2001, Carla e o cinegrafista Carlos Alberto Correia receberam a tarefa da chefia do antigo Canal 21 – que pertencia à TV Bandeirantes – de fazer uma reportagem sobre a retomada da vida da família Abravanel após o sequestro da filha mais nova, Patrícia, que tinha sido solta pelos sequestradores dois dias antes, em 28 de agosto.
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Era por volta das 6h da manhã quando a jornalista chegou na porta da mansão de Silvio Santos, no bairro do Morumbi, Zona Sul da cidade de São Paulo, na esperança de registrar a volta à rotina da família vítima do crime mais falado daquele ano no Brasil.
Como o apresentador dirigia o próprio carro na época, a expectativa da equipe era conseguir falar com ele na saída de casa para a empresa.
A dupla de jornalistas fazia plantão na frente da mansão, quando Carla avistou um rapaz chegando de agasalho de moletom e toca. Até então, não se sabia que se tratava do sequestrador Fernando Dutra Pinto, autor do sequestro de Patrícia Abravanel.
O rapaz passou pelo carro de reportagem discretamente, sem perceber que tinha gente lá dentro, e, alguns minutos depois, sem grandes dificuldades, pulou para dentro da casa pelo muro lateral da mansão.
Jornais contam em 2001 o drama vivido pela família Abravanel e a participação de Carla Santanna no episódio
Acervo pessoal
Ao ver a cena, os dois correram para a guarita da segurança e avisaram: “’Olha, um rapaz pulou pra dentro da casa. Mas os seguranças não deram muita confiança, achando que a gente queria gerar alguma notícia”, lembra ela, 23 anos depois do episódio.
“Nós corremos para o lugar onde ele tinha pulado e conseguimos subir numa árvore. De lá dava para avistar ele já no meio do jardim da casa, prestes a entrar numa das dependências. Lembro de ir novamente avisar os seguranças, enquanto o cinegrafista ficou registrando as imagens. Poucos minutos depois, a família Abravanel sai de pijama e assustada para o lado de fora. Era o alerta vermelho de que algo realmente não estava bem”, contou a jornalista, hoje com 47 anos.
“Liguei na redação e relatei o que estava acontecendo. Logo o meu chefe, o Bottini, pediu para a gente continuar por lá e mandou outra equipe. Em poucos minutos a casa estava cercada de policiais e jornalistas. Era o início do sequestro do apresentador, que durou mais de sete horas e mobilizou o Brasil.
O sequestrador Fernando Dutra Pinto, depois de sequestrar Patrícia Abravanel e na fuga matar dois policiais, voltou à cena do crime e fez o maior e mais rico apresentador de televisão brasileira refém, sob a mira de uma arma.
Os jornais da época registraram que Silvio Santos foi surpreendido perto da cozinha da casa, enquanto Patrícia, a esposa Iris e as demais filhas correram para a casa de um vizinho.
Capas das revistas semanais de 2001 contaram o drama vivido por Silvio Santos em sua mansão no Morumbi, Zona Sul de São Paulo.
Acervo pessoal
“Sr. Silvio, eu sou a pessoa que sequestrou a sua filha. Não faça nada. Já fiz muita besteira, posso fazer mais”, disse a manchete do Jornal da Tarde, do Grupo Estado, no dia seguinte ao sequestro do apresentador, citando a fala de Fernando Dutra Pinto.
O sequestro foi transmitido ao vivo pelas principais emissora de TV e rádio do país durante mais de seis horas. A estratégia do criminoso, na época, era tentar garantir que não seria morto pela polícia caso fosse preso pelo sequestro de Patrícia Abravanel e a morte de dois policiais que investigavam o crime.
Silvio Santos só foi solto após a presença no local do então governador paulista Geraldo Alckmin (na época no PSDB e hoje vice-presidente da República pelo PSB). Alckmin ajudou a negociar a libertação do apresentador e o sequestro terminou após mais de 7h de tensão na mansão do Morumbi.
“Naquele dia, o meu telefone não parava. O Brasil inteiro me ligava querendo saber detalhes do ocorrido. Até depoimento na polícia fui prestar, porque era a única testemunha que viu o início de tudo. Fui entrevista por jornais e emissoras. Foi uma loucura. Mas o mais louco foi o que aconteceu dois dias depois…”, lembra a jornalista.
“Eu tinha acabado de chegar na redação e alguém avisou: ‘O Silvio Santos quer te conhecer`. Eu dei risada e falei: ‘Tá bom. Não tem graça a piada. Aí o Bottini, que era o meu chefe, disse: ‘É verdade. Vai lá na casa que o homem vai te receber’. Eu não acreditava. Fui com desconfiança, mas fui. Não lembro de muitos detalhes até chegar lá. Mas lembro até hoje de estar numa sala esperando e, de repente, surge aquele homem: ele era enorme, sorridente, a boca cheia de dentes que parecia um piano. Congelei na frente dele”, relembra a jornalista.
O apresentador Sílvio Santos morreu depois de ficar quase 3 semanas internado
O encontro, segundo Carla Sant’anna, durou cerca de cinco a dez minutos. Silvio Santos sentou do lado dela e fez algumas perguntas sobre o episódio.
“Dei os detalhes do que vi e ele afirmou: ‘você era a pessoa certa na hora certa, não é?’. Até brinquei com ele que, na época, o terrorista Bin Laden estava sendo procurado pelo governo dos Estados Unidos e talvez seria o meu destino também encontrá-lo’. Ele riu alto, com aquela boca enorme. Depois me agradeceu profundamente: ‘Obrigado, muito obrigado por tudo que você fez e ajudou a me salvar’. Me deu um abraço e saiu pela porta daquela casa enorme…”, narrrou Carla ao g1.
“Fique dias sem acreditar. Voltei para a redação como se tivesse vivido um sonho. Estive frente a frente com o homem mais conhecido do Brasil. Na época não tinha essa coisa de selfie e nem registro fiz daquele encontro. Mas eu fiquei tão paralisada na frente dele que, se fosse hoje, também não teria pensado sequer em fazer uma foto. Ele se mostrou simpático, cordial, humano e realmente interessado no que eu tinha pra dizer”, afirmou.
A jornalista Carla Augusta Santanna, 23 anos depois do episódio que marcou a vida dela ao lado de Silvio Santos
Acervo pessoal
Carla disse que acordou nesse sábado (17) com familiares mandando mensagem contando sobre a morte de Silvio Santos, que faleceu no Hospital Albert Einstein, na Zona Sul de São Paulo, aos 93 anos, vítima de uma broncopneumonia, após infecção por influenza (H1N1).
“No momento que recebi a notícia, fiquei muito triste. Não apenas por tudo que ele era, mas por tudo que passou e a forma como me recebeu. Imediatamente veio na minha cabeça aquele sorriso largo e claro, cheio de dentes… aquela alegria contagiante e verdadeira… Lamento pela morte desse homem incrível. Ícone da comunicação e da televisão. Guardarei pra sempre aquele encontro singelo mas cheio de humanidade, mesmo depois dele ter passado tudo que passou na mira de um revólver. Foi embora uma figura gigante”, afirmou Carla Sant’anna.
Mais de duas décadas depois do encontro com Silvio Santos, a jornalista guarda numa pasta em casa todo os recortes de jornais e revista da época contando a história daquele que pode ter sido um dos momentos mais tensos e difíceis da vida do maior apresentador do Brasil.
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